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Com isso, “a omissão letárgica do Poder Legislativo em regular o direito de greve dos
servidores públicos, descumprindo o que lhe foi determinado pela Constituição de 1988,
acabou por gerar uma preocupante realidade em que as greves de servidores públicos
foram se sucedendo em todos os níveis das Administrações Públicas federal, estadual e
municipal...” (GROTTI, 2015).
Tal circunstância gerou inegável comprometimento da continuidade dos serviços pres-
tados pela Administração Pública. Sabe-se que a prestação das atividades atribuídas ao
Estado apresenta-se como um dever inescusável do poder público.
28
Entende-se, a partir
de tal premissa, que deve ser feita de forma contínua para que tais serviços sejam perma-
nentemente assegurados aos cidadãos.
Esse princípio, decorrência direta do princípio da indisponibilidade do interesse pú-
blico, determina “a impossibilidade de interrupção da prestação do serviço, eis que se
presume que as utilidades prestadas são essenciais e indispensáveis à sobrevivência ou
à normalidade da vida”.(JUSTEN FILHO, 2003, p. 31)
Com efeito, seja nos serviços sociais (educação e saúde), seja nos demais serviços
públicos (energia elétrica, saneamento básico, coleta de lixo, transporte coletivo, por
exemplo), bem como nas demais atividades públicas, a suspensão das atividades resulta
na negação ao acesso aos direitos sociais, notadamente àqueles que traduzem a digni-
dade da pessoa humana. Essa é a razão que autoriza condicionamentos ao exercício de
determinados direitos pelos servidores públicos (JUSTEN FILHO, 2003, p. 31), dentre
eles o direito de greve. Com base nessa premissa, foi editado o Decreto 1480/95, da
União Federal, que prevê:
Art. 1º Até que seja editada a lei complementar a que alude o art. 37, inciso VII, da
Constituição, as faltas decorrentes de participação de servidor público federal, regido pela
Lei n º 8.112, de 11 de dezembro de 1990, em movimento de paralisação de serviços pú-
blicos não poderão, em nenhuma hipótese, ser objeto de: I - abono; II - compensação; ou
III - cômputo, para ns de contagem de tempo de serviço ou de qualquer vantagem que
o tenha por base.
Parece inegável, entretanto, que o referido ato administrativo excede no exercício do
poder regulamentar, negando vigência ao direito consagrado no art. 37, VII, da Consti-
tuição Federal, seja qual for a natureza da ecácia reconhecida à precitada norma. Isto
porque, sabe-se que até mesmo as normas de ecácia limitada (que dependem da ativi-
dade legiferante para produzirem efeitos) gozam de ecácia mínima no sentido de (i) re-
28. Tal característica constitui, para Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO, princípio autôno-
mo do serviço público, considerando-se, por consequência, a omissão do Estado como passível
de responsabilização patrimonial (MELLO, Curso..., p. 672). Ver, sobre o tema, Weida Zancaner
(ZANCANER, 2006, p. 337-352).
vogar a legislação com elas incompatíveis e (ii) impedir a edição de comandos normativos
que anulem os direitos constitucionalmente assegurados.
Regina Maria Macedo Nery FERRARI, em análise ao precitado art. 37, VII, refere que
“o preceito constitucional apresenta um mínimo de ecácia e que o primeiro e mais claro
efeito da norma constitucional é, exatamente, a perda da ecácia das normas que con-
guravam a greve como um valor negativo, ensejando a aplicação de sanções disciplina-
res.” (FERRARI, 1995, p. 729)
Portanto, o condicionamento ao direito de greve dos servidores em prol do princípio da
continuidade dos serviços públicos não poderá sob qualquer justicativa negar o núcleo
essencial do direito fundamental assegurado pela Constituição.29 Anal, o mandamento
que obriga a continuidade é comando que se dirige, em primeiro plano, à Administração
Pública. Daí conclui-se que não poderá ser utilizado de maneira incondicional pelo poder
público, que é, em última análise, aquele que deverá adotar medidas de contingência para
assegurar, de um lado, a continuidade de suas atividades e, de outro, o rol de direitos dos
agentes públicos. Ora, a Administração Pública deve atentar a dupla situação do servidor
público30, a qual designa o trabalhador público como aquele submetido a um regime ju-
rídico especíco dos servidores públicos, mas que o designa também, e primordialmente,
como trabalhador perante a sociedade e o Estado. A estes, não há possibilidade de cer-
29. Na seara do direito constitucional, muito se tem discutido sobre a denição do que seria o
núcleo essencial dos direitos fundamentais. A discussão, aqui, toma por pano de fundo as restri-
ções a tais direitos. Desse modo, para identicar o que poderá ser restringido pela norma restritiva,
os autores, com amparo na hermenêutica constitucional, dividem-se entre a teoria interna e a teo-
ria externa. A teoria interna, “considera corolário lógico dos conceitos de rigidez e de supremacia
constitucional a negativa da possibilidade de o legislador imprimir efetivas restrições aos direitos
fundamentais...” (BRANDÃO, 2008, p. 243). Entendem que cabe ao legislador “congurar os direi-
tos fundamentais, especicando-os dentro do conteúdo constitucionalmente previsto”. Só caberá
restrição, então, quando a própria Constituição autorizar. Pressupõe-se, por isso, um direito com
conteúdo previamente denido pela Constituição. A análise da validade da norma restritiva se dá,
nessa teoria, em face do cotejo do conteúdo da restrição diante do conteúdo aparente do direito e,
depois disso, do conteúdo verdadeiro de tal direito. “Não há que se falar, portanto, em recortes ao
conteúdo inicialmente protegido do direito fundamental impostos por outros direitos ou princípios
(limites externos), mas apenas de limitações intrínsecas aos direitos (limites internos ou imanen-
tes), que excluem determinadas situações do seu âmbito de proteção.” (BRANDÃO, 2008, p. 244)
Já as teorias externas admitem que o conteúdo prima facie do direito oferece um conteúdo que
poderá ser restringido em face da prevalência, em um caso concreto, de outros direitos ou precei-
tos fundamentais – âmbito dos limites externos. A restrição decorre de um raciocínio ponderativo,
nos limites dos casos concretos. Ver, sobre o tema, Rodrigo Brandão (BRANDÃO, 2008, p. 250)
30. Carmem Lucia Antunes ROCHA explica que a Constituição brasileira estendeu aos servidores públi-
cos os direitos que foram assegurados aos empregados em geral. “Encareceu-se, assim, a condição de tra-
balhador e os direitos sociais dos servidores públicos, com a especialidade que dene a sua dupla situação
de integrante dos quadros da pessoa estatal além daquela condição.” (ROCHA, 1999, p. 94)
[1699-3225 (2016) 34, 81-97]